Por Evangelista: Israel Trajano

Um senhor não cristão, imigrante, esteve frequentando a igreja por vários meses. Sempre bem vestido e com um português impecável, ele me agradeceu muitas vezes pelo sermão que acabara de ouvir.
Em uma dessas oportunidades, eu havia considerado o texto de 2 Samuel 15, que conta a atribulada fuga de Davi de Jerusalém, para não lutar contra seu filho Absalão.

Comentei que Davi estava aprendendo a confiar em Deus, em meio à intensa humilhação de ser obrigado a sair da cidade santa e deixar o palácio para trás, e que isto apontava para Jesus Cristo, que igualmente deixou a mesma cidade para trás, depois de ser humilhado e perseguido, rumo à cruz. Diferentemente de Davi, Jesus não fugiu de Jerusalém, mas enfrentou a cruz.

Ao contrário de Davi que falhou como pai, a humilhação de Jesus não foi resultado de qualquer pecado Seu, porque Ele jamais pecou, mas sim do nosso pecado. A maravilhosa verdade do evangelho é que Jesus não só levou nossa culpa, como também não fez caso da humilhação que sofreu (Hb. 12.2). O Senhor nos mostra que é possível passarmos por lutas e humilhações, mas não nos deixarmos abater, envergonhados de nossa condição.

Isto despertou o coração do meu visitante, pois ele, desde muito tempo, vem carregando um sentimento de vergonha e humilhação, inclusive com a educação recebida em seu país, pela qual aprendeu a desvalorizar-se como pessoa. Apesar deter crescido para se tornar um defensor de seu povo, ele não consegue escapar do estigma de se ver como “nada”, além de viver de modo errado e sentir-se culpado. Isto ficou muito claro em nossas conversas.

Nossas igrejas estão cheias de pessoas como este homem, seja porque passaram por experiências dolorosas de desonra em sua vida, ou porque não conseguem se desvencilhar de atitudes e ações que produzem desonra para si mesmas e são pecados contra Deus.Elas se escondem, esperando que outras não as vejam. Podem se esconder na reclusão, mas também refugiar-se no perfeccionismo e no ativismo.

Porém, assim como Adão e Eva tentaram se esconder de Deus e, sentindo-se mal por estarem nus, coseram cintas para si com folhas de figueira para se esconderem um do outro (Gn. 3: 7), qualquer tentativa nossa não funcionará, enquanto Deus não nos tratar, como fez com eles. Não importa o quanto nos cobrimos, sabemos que nossa vergonha ainda está lá.

Surge, então, uma pergunta: como pode uma igreja local ajudar a tratar aqueles que estão escondidos, cobertos de humilhação, seja produzida por outros ou por seus próprios erros? A resposta é a pregação correta do Evangelho, não apenas no púlpito, mas também nos pequenos grupos e nos relacionamentos, em torno da mesa de jantar ou no cafezinho. O Evangelho tem como tratar de nossa vergonha. Lembremos que Jesus não apenas nos justifica; Ele também nos purifica e nos cobre com Sua justiça.

Olhando para o momento em que Deus fez vestimenta de peles para Adão e Eva (Gn.3:21), podemos ver que demonstrou o mesmo cuidado para com os salvos em Cristo, pois havemos sido revestidos “com o manto de justiça” (Is. 61:10). Além do perdão, o Evangelho nos mostra que Cristo remove nossa humilhação e vergonha, e nos dá Sua justiça. A implicação disso é que precisamos nos aceitar mutuamente em Cristo e, como membros uns dos outros, repartir e carregar as cargas uns dos outros, como diz a Escritura: “Se um membro sofre, todos sofrem com ele; e, se um deles é honrado, com ele todos se regozijam.” (1 Co. 12.26).

Ao contrário do mundo, Deus em Cristo não nos rejeita. Se nosso Senhor age assim conosco, devemos nos acolher mutuamente, como membros uns dos outros, nos arrependendo daquilo que nos torna humilhados e vergonhosos, e nos ajudarmos a distinguir as causas, os pecados pessoais e os mal tratos dos outros, para sermos encaminhados a uma nova perspectiva de vida.

O apóstolo Paulo cita uma série de pecados daqueles que não herdarão o reino de Deus (1 Coríntios 6:9-10), para, em seguida, afirmar”tais fostes alguns de vós” (v.11). Precisamos nos olhar e nos ver como pecadores restaurados e em processo de contínua restauração. Portanto, cremos que a igreja local deve ser um lugar de restauração para aqueles que ainda estão convivendo com lutas e conflitos, e não têm a consciência do pleno perdão de Deus em Cristo.

Paulo prossegue, afirmando: “mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (v.11). A graça divina foi manifestada para perdoar e purificar pecadores não só de sua culpa, mas também de sua humilhação e vergonha, destinando-os a uma vida para a glória de Deus.

Aquele homem que veio a mim achou tudo isto muito difícil. Esperava um cristianismo que tirasse suas derrotas, sem confrontá-lo com seu pecado. Ele ainda está ouvindo, ainda lutando. E ainda estamos andando com ele, porque não estamos surpresos por seu estado. Pelo contrário, como cristãos, sabemos que o Senhor pode transformá-lo como fez conosco, e pode nos usar como igreja para que ele tenha seu coração inundado pela paz e pela alegria duradora de Cristo.

IP Jundiai

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